terça-feira, 26 de junho de 2012

# 289


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nunca me dei muito bem com gatos.


acho que desde criança, quando um mais arisco invadiu o meu quarto, e numa tentativa de pular a janela pra subir pro telhado, deu com a mesma fechada e me arranhou a testa, já que eu estudava numa escrivaninha que ficava bem abaixa dela, desenvolvi um mini medo de gatos.

a regra era simples: eu não chegava perto deles e eles não chegavam perto de mim, quase que numa repelência recíproca.

daí nunca me interessei muito pelos felinos e sua atitude blasè, seu jeito mais "tou nem aí" e sua independência.
os observava de longe, escutava relatos dos amigos que os criam, e até me arriscava em chegar perto de alguns, em meus dias de maior coragem.
mas sempre num distanciamento, já que os próprios miadores não iam muito com a minha cara.

até que nesse último fim de semana conheci a Crioula, aquela gatinha preta de poucos meses, que corria de um canto pro outro pela casa, em meio aos convidados, e que adorava morder a todos.
quando me sentei no chão, Crioula logo veio pro meu lado, me encarando fundo nos olhos, passando por trás de mim, até que se aconchegou no meio das minhas pernas cruzadas e lá se instalou.
deitada, me permitiu que fizesse uns carinhos em sua cabeça, que inicialmente saíram um tanto tremidos e nervosos, mas logo, quando me assustei, estava entregue aos encantos daquela miniatura de felino.
Crioula me derreteu, deitou na minha perna e ali dormiu por um longo tempo, ronronando baixinho, e soltando pequenos miados.

como todo gato, era soberana. ficou na minha perna até quando quis, mesmo com a minha perna já dormente, dando aqueles choquinhos que chegam até a ser gostosos.
depois de muito tempo ali deitada, Crioula acordou, se esticou toda, e saiu rebolosa pela casa, nem me deu mais bola, mas o estrago já estava feito. 
passou o meu medo de gato, e confesso, por uns minutos até tive vontade de ter um miando pela minha casa. por uns minutos só, pelo menos por enquanto.

# 287



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sete anos foi o tempo que aquele momento permaneceu congelado.
sete anos.
e de repente, era como se não houvesse passado tempo. 
como se a vida emendasse aquelas duas noites tão espaçadas.

e sete anos não são sete dias. 
é tempo suficiente para uma criança aprender a ler e escrever. 
tempo bastante pra vida escrever bastante história na vida de duas pessoas.

mas a vida não deixa ponta sem nó, e, mesmo que se passem tantas noites únicas, aquela, em especial, permaneceu ali, inalterada, inacabada.
era como se faltasse um ponto final ao fim da frase, e sabemos o quanto um texto não pontuado se torna complexo, saramaguiano.
talvez numa arte do destino, tenha chegado o momento da concretização daquele quase. 
e como que numa viagem no tempo, parecia que o relógio voltara, e aquele momento antes congelado foi retomado.
com o mesmo encanto, com o mesmo fascínio e magnetismo.

aquele furacão gerado pelo encontro daqueles dois seres podia finalmente girar, sem medo de destruir tudo ao seu redor.
a força era justamente a inversa, a força da construção.
e, mesmo que se congelasse de novo aquele novo momento, já teria valido a pena.

encontros assim, de girar mundos, não acontecem por acaso, e nem com muita frequência. são raros.
encontros assim, de girar mundos, viram reencontros, quando descongelados.
e haja mundo pra girar.

terça-feira, 12 de junho de 2012

# 286

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- resgate -


De repente veio uma tempestade e abalou tudo. Podia ter sido um vento qualquer, ou uma chuvinha de verão... mas não, foi uma tempestade... afinal, era por isso que ele esperava e acreditava. Uma tempestade que abalasse a calmaria que ele vivia. Não que não gostasse daquela vida, mas não havia nascido praquilo. 

E daí as coisas foram levantando vôo. Tudo ficou de pernas pro ar. E ao invés de achar isso ruim, ou deseperador, ele olhava pra todas as coisas que até então possuía sendo levadas pelo vento e sorria o seu sorriso mais bonito. 

E desejava poder tomar parte da tempestade, se tornar chuva também e ventania. E prometia pra si mesmo que se moldaria da forma que a tempestade pedisse, que se sentiria um planeta se aquela chuva grande o aceitasse. 

Não mais que de repente viu pele virar gotas de água e a respiração virar vento. Ele e a tempestade eram então um só. E da monotonia se fez guerra. Não guerra de sangue, de morte, mas guerra de vida, uma guerra que traria como saldo sua felicidade. E da tristeza anterior, não se tem notícia. 

Assim como todas as coisas que possuía foram transformadas em destruição, ele se transformara também. Morria a calmaria. Vivia a tempestade. A tempestade que ele acreditava que viria. 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

# 285

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mudança de casa é mudança de vida.

venho discutindo isso com a analista já faz um tempo.
parece que depois que me mudei pra casa nova, pela primeira vez morando realmente sozinho, me passou um furacão pela vida, alterando quase tudo o que parecia já estabelecido, estável, e colocando as coisas em outros lugares.
a mudança de casa trouxe com ela uma série de revoluções pessoais. 

pela primeira vez na vida eu me vi morando num lugar onde eu estava só comigo mesmo. 
e sem previsão alguma de dividir meu pequeno reino com ninguém. e isso não me doía.
e não me dói. 
ainda estou em fase de me acostumar a chegar depois de um dia trabalho e ficar comigo mesmo. e acho que isso é uma questão de costume mesmo, que já tenho quase tirado de letra.
por alguns momentos me sinto sozinho, melancólico, mas no geral, me sinto é bem, e consciente e orgulhoso das minhas escolhas e decisões.

a verdade é que ninguém se mantém na vida de ninguém por obrigação.
e a própria dona vida trata de fazer uma triagem de quem permanece e de quem sai de cena.
não é preciso muito esforço pra isso, o que vale pra amizades e amores.

no momento, me vejo em plena reconstrução.
reconstrução de uma casa, de uma identidade, de um lar, de amizades.
algumas se perderam com a própria mudança, assim, sem brigas, sem desentendimentos explícitos, só foram pra longe.
umas se manteram, outras voltaram, outras se recosturaram, outras nasceram.

é o ciclo que toda mudança traz. 
um novo todo contexto de vida. 
uma realidade diferente, que deve ser vivida.

no fim, a mudança têm me feito bem, me reafirmado da minha independência, e me mostrado que eu me basto pra um tanto de coisas.
pras outras, eu tenho amigos, que se mantém comigo, independente de qualquer coisa.
no fim das contas, não me arrependo é de nada.
tenho toda uma vida cheia de acertos e erros pela frente. 
e minha casa nova tem elefantes pendurados e apetrechos verdes na cozinha.
=]