domingo, 31 de janeiro de 2010

# 187

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de repente, ele abriu os olhos.
mas não abriu os olhos assim, como o fazia toda manhã.
abriu os olhos da vida, e passou a enxergar as felicidades e as tristezas, as belezas e feiuras, e viu o que lhe servia e o que não mais.
pegou duas sacolas amarelas, e as carregou de roupas, papéis, sapatos, e bugigangas, tudo aquilo que não lhe servia mais.
e como isso é duro pra ele, que não se desapega, não se desprende...
mas com custo, com força, e com pesar, deu destino outro que não o seu praquilo tudo.
e se deparou com o que sobrou, que não era pouco, mas que era parte.
e agora, e agora que ele enxerga?
como vê isso? como vê essas coisas deixadas?
e as coisas que se foram? como elas são agora, vistas com os olhos que vêem o mundo?
nesse momento, ele pôs seus óculos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

# 186



de três tempos.

e lá, sentado, naquela entrevista de emprego, pediram pro rapaz escrever uma redação falando de sua vida.
e uma sensação de estranhamento lhe ocorreu: há tanto tempo não lhe pediam pra escrever uma redação, e agora? três folhas de papel em branco, sem pauta à sua frente, e um lápis. um lápis!
ele não gostava de lápis, nunca gostou. sempre preferira a lapiseira, talvez por conta de sua falta de coordenação motora, ou do seu destrambelhamento, que sempre acabavam por quebrar a ponta do lápis, mas ali, ele não tinha opção. teve que escrever com lápis mesmo.
e se lembrou de um tempo que escrevia sempre de lapiseira, naqueles seus cadernos de cor, que usava pra desabafos das coisas que sentia, e sempre fazia questão de escrever de lapiseira, que era pra poder apagar, caso errasse, o que queria dizer, na verdade, é que era possível recomeçar.
e pôs-se a escrever sobre a primeira folha branca.
mas o quê? por onde começaria? havia tanto por dizer, mas tanto por não dizer também... quem aquela estranha se achava ser para que pedisse a ele assim, de sopetão, que se desnudasse numa folha folha de papel.
enfim, escreveu em três folhas. três tempos de si. a infância, os sonhos, e a vida real.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

# 185

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recorte de conversa do gtalk


me: olha minha historia triste e corajosa.
quando criança, lá pelos 6 anos de idade, eu adorava ver o sitio do pica pau amarelo .
daí, em tudo, a minha mãe usava de chantagem emocional pra me fazer medo e eu ficar obediente. e ela passou a fazer isso com a Cuca, aquela jacaroa bruxa de cabelo loiro, que era feia no sítio antigo.
só que eu ainda era corajoso, então não abria mão de ver o sítio, apesar de que toda vez que a Cuca aparecia eu quase enfartava. e mamãe se aproveitava disso, e toda vez que via um calango me mostrava e dizia "olha os filhos da cuca, jefinho". daí meu medo de calango.
tá. um dia resolvi ser corajoso. fui ver o sítio com a vassoura embaixo do sofá. e do alto da minha coragem dos 6 anos de idade, quando a cuca apareceu eu dei com a vassoura na tv, que estourou, e saí gritando: mãe, eu matei a Cuca! mãe, eu matei a Cuca...
resultado: levei uma surra monstra, mas ganhamos uma tv colorida e mamãe nunca mais usou personagens de tv pra me fazer medo. mas ainda tenho medo de calango!

Bruno: UAHAUHAUHAUHAUAHUAHUAHAUHAUHAUHAUHAUHAUAHUAHUAHUAHAUAHUAHUAHAUHAUHAUHAUHAUAHUA
aHAZOOOO!!!
UAHAUHAUHAU

me: 
hehehee
ter seis anos é bom!

Bruno: mONGOL!

me: =]

# 184

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uma vez o léo me disse que minha vida devia ser menos clichê.
e eu ri. ri muito, mas ele bem tem razão.

observando todas as coisas que me acontecem, claro que acolhendo as devidas proporções dos meus exageros naturais, é tudo muito clichê mesmo.
na maioria das vezes eu tenho certeza do modo como as coisas vão terminar, sobre o que vai acontecer e etc, sempre contando com aquela pequena esperança de que, "pelo menos dessa vez", eu possa estar errado.
não, eu sempre acerto.
é que tem um pouco de videntismo, premonição, nisso tudo, talvez trazido pelo pessimismo oculto que tem aqui, que nasce do tanto de frustração passada.
mas, conscientemente, não, eu não deixo esse pessimismo me guiar não, vou vivendo o que me aparece.
e aí que vêm os clichês.

e aí que tem o léo pra aguentar as histórias, e dividir os risos que geram, porque nisso tudo a gente acaba brincando que minha vida é que nem um show de Trumman, com milhares de câmeras escondidas ao meu redor, e um monte de desafios plantados pra me testar, justamente pra poder ter esse tipo de história pra contar.
é... de clichê vive o mundo.
uns acham terrível.
eu só rio, e me preparo pro próximo.

# 183

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e ele achava que as coisas deviam ser mais simples.
as pessoas mais legíveis.
o clima mais estável.
e ele também gostava de pontos finais nas coisas que deveriam tê-los, apesar de sua eterna paixão pelas reticências.

o que acontece é que a simplicidade está em baixa. as pessoas têm achado legal, na moda, serem complexas, não serem claras, nem transparecer o que sentem ou pensam.
ok, um misteriozinho sempre vem bem a calhar, mas noutros casos, é patético, e por vezes, até mesmo cruel.

no fim das contas, ele acha que o mundo tá cheio é de gente covarde, com medo, e é medo de tudo. medo de se entregar, medo de compartilhar, medo de se dividir, medo de sofrer. e ele também é um cadinho medroso nisso tudo.
mas a diferença é que ele não espera o medo, ele vive o que tá ali, se apresentando, e tenta não sofrer com antecedência pras coisas.
já faz muito tempo que deixou de fazer castelos, de fazer planos, se tornou, de certa forma, imediatista, não pela pressa, não pedindo urgência, mas se focando no presente, no hoje, sem se preocupar se no fim de semana que vem vai ter cachoeira.
pode acabar chovendo.